terça-feira, 19 de outubro de 2010

para a menina invisível, com carinho

Era um grande segredo que eu guardava. Nunca soube explicar exatamente qual era o segredo. As vezes eu me pegava perguntando à mim mesmo sobre o tal assunto secreto. Um segredo é feito, basicamente, de respostas. E nem perguntas eu tinha.
  Na verdade, eu desconfio profundamente que era acerca da vida toda a minha dúvida. Dúvida que, antes mesmo de se fazer segredo, não era compartilhado com outras pessoas. Eu nunca confiei nelas o bastante para isso. Nunca confiei em mim mesmo para isso.
  Eu não sabia porque não tinha amigos, e porque não fazia questão de tê-los. Não imaginava o motivo maior no meu receio em falar sobre amor. Ficava observando abismado de cima do muro da vida o vai-e-vem de pessoas mecânicas. Tão mecânicas que nem os robôs se comparavam à elas. Os robôs ainda falham por vontade própria. E os seres incontáveis que via, nem isso faziam por decisão.

  Eu sempre soube do mistério da vida. Do incrível momento em que uma flor tomba da arvore porque o outono começa a chorar. Nunca ousei trocar um gramado cheirando à terra molhada por notícias que os jornalistas costumam prender na televisão.
  Gostaria de apagar uma boa parte dessas gravatas amarrotadas que os fazem e pintar-lhes o rosto. Muito mais interessante seria um sarau. Um grande momento em que folhas caem sem tocar o chão. Em que as flores dançam com o vento por entre as palavras. O tão esperado momento em que os poetas retratariam o meu abraço mais apertado em um arbusto recém-nascido. Ou quando a borboleta colorida ganha vida e deixa o seu casulo. Gostaria tanto.

  Era quase noite quando eu, em um puro momento de distração, encontrei os tantos bilhetes deixados embaixo da minha porta. Confesso que não era exatamente de madeira ou vidro essa minha entrada principal. Era feita de tanta coisa que eu nunca saberei lhes dizer. Mas fica dentro de mim. É uma porta ao lado direito do peito. Foram lá deixados os tantos bilhetes.
  Uns falavam de mim. Outros falavam dela. Mas a maioria diziam-me versos. Eu juntava cada um deles como se fossem preces. E aos poucos eu fui descobrindo o meu segredo perdido. As palavras me batiam de frente. Assopravam meus olhos até secarem. Fui obrigado à chorar para mantê-los vivos. E, obrigado ou não, tive a certeza de mim mesmo. Eu estava me encontrando completamente. Encontrei a menina invisível de todos os meus poemas. O amor que eu nunca tive coragem para ficar escrevendo por aí. A certeza de uma parte de mim colocado ao mundo no mesmo instante em que eu vim à ele. E, principalmente, o abraço de amigo que nunca senti por falta de sinceridade.

  Eu sei que estou perdido. Sinto isso. Não me conheço. Sou um mistério para mim. Mas por falta de uma mão entrelaçada às minhas contemplando o pôr-do-sol em silêncio, eu chorei. E nos bilhetes, todas as nuvens que borraram no céu enquanto eu desenhava, eu encontrei. Costurei na minha parede as partes de mim encontrada. Esperando, é claro, que um dia a menina invisivel me apareça.

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